No revés das altas expectativas que tem de si, o sujeito se choca com a possibilidade de ser como todos.
- No Caminho de Swann, Marcel Proust
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O personagem chega a esse sentimento após considerar o que seria a sua falta de talento para a literatura, sugerida pelo fato de que, ao procurar um tema para sua narrativa, algo consistente e de peso, não encontra nada dentro de si. O não-dito vale por uma definição de literatura: se fosse realmente escritor, não existiria como os outros homens, não envelheceria e morreria como eles, teria outra maneira de existência, seus envelhecimento e morte — podemos supor — seriam, no fim das contas, insubstanciais. A vida comum é aqui um defeito; a escapatória é a arte, mas ela não concede suas graças a todos, e nosso protagonista sente que não as concedeu a si… Interessante também esse final do parágrafo: elogios não lhe faziam qualquer bem, como a boa fama de um canalha não poderiam lhe livrar da culpa. Isso indica que o júri é interno; a aprovação dos outros não podem dar o veredicto: és, sim, escritor — e, pois, único.
- Muzzle, de Mellon Collie and the Infinite Sadness, The Smashing Pumpkins
I fear that I’m ordinary,just like everyoneto lie here and dieamong the sorrows
adrift among the days
A expressão é forte: eu tenho medo de ser ordinário como todo mundo. Segue-se a isso uma descrição do que isso implica: só ir ficando por aqui e morrer entre tristezas, à deriva no tempo. A vida comum é esse estar em por quê, como uma coisa, é esse perecimento sem intensidade, é esse ser lançado de um lado a outro. É, em suma, falta de algo que determine o sujeito, de um sujeito que se autodetermine. O restante da música demonstra que o temor era retórico; quem canta passa a manifestar o que Nietzsche chamaria de amor fati: ama o seu destino, aceita, não de forma resignada, mas decidida a sua condição. Voa, como Ícaro, próximo ao sol, algumas crianças galhofam, dizem: Vai tombar, certeza! Mas ele sabe bem quem é, e não só isso… (veja a letra completa).