Uma história da informação e seus efeitos éticos e epistemológicos

Esta é a atual introdução do meu projeto de doutorado, em desenvolvimento na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), com orientação do professor Marivalde Francelin

Questionar o que é a informação tem dois extremos: posições de conforto e desalento. O desalento advém da infinidade de conceitos que esse termo pode abrigar, multiplicidade essa que se espraia por uma variedade de áreas do conhecimento, desde as ciências ditas “duras” até as “moles”. A tarefa que parece emergir dessa situação é da catalogação – se faria necessário oferecer o mais amplo panorama dos sentidos possíveis desta palavra, a sinonímia, assim, estaria suficientemente sob controle: antes em dispersão, os conceitos agora seriam contidos em uma lista. Entretanto, desconfia-se de saída que um projeto do tipo permanecerá deficitário: como dar conta de todos os significados? Pode-se manter a pretensão de lista maiores e maiores, mas uma totalmente compreensível não parece ser plausível. Daí, uma desesperança. O pesquisador a declara e diz que fez o que pode.

Já o conforto surge quando há um campo do saber ao qual se ater. Que haja um número indefinido de conceituações de informação não chega a ser um problema, nem mesmo é, de fato, relevante, na medida em que o que importa são os conceitos usados no interior de uma área dada (ou nos limites de uma certa proposta de pesquisa etc). Reconhece-se que há outros entendimentos, define-se o próprio – “é isto o que informação quer dizer aqui” – e se segue adiante. Se, por um lado, esse procedimento é efetivo na estruturação adequada de pesquisas, por outro, deixa de lado, contorna a meta de um questionamento do que é informação, se há características gerais nessa pluralidade, como os significados dispersos se relacionam entre si, por que a essa mesma palavra calhou tanta potência.

Talvez seja possível dar um passo atrás nessa bifurcação – que, temos consciência, é só uma generalização rápida. Questionar não “o que é informação?”, como se pudéssemos comparar o que dizem as várias definições com um objeto concreto, visível, localizável,  Considerar esses conceitos todos enquanto acontecimentos – para usar um termo que é caro ao filósofo Michel Foucault –, e se perguntar o que caracteriza a sua emergência. A disseminação de sentidos seria não mais submetida a uma sincronia, listada sem eficácia total, mas vista por sua sincronia, disposta na história, o que não reduz a profusão, mas permite outras incursões: para além da tarefa de catalogar, passa a ser cabível investigar como se dá a evolução do conceito, com isso, discernir marcos históricos, até que, por fim, se volte o olhar às condições de possibilidade dos conceitos de informação.

Esse procedimento, que possui um caráter foucaultiano muito particular, mas que deriva da tradição francesa de história das ciências, a chamada epistemologia histórica, é o que nos orienta neste trabalho. Nossa proposta é investigar o conceito de informação em um dos seus lugares eminentes de aparecimento: a Ciência da Informação, identificar o que lhe caracteriza e possibilita o seu funcionamento dentro dessa área de saber, de maneira a demarcar suas diferenças e proximidades com conceitos que o precederam.

Dito de outra forma, realizaremos uma história da informação, tomando um dos marcos desse processo histórico – a proposição de uma ciência especificamente dedicada a esse objeto – como principal material de trabalho. Essa empreitada implica inquirir a história de formação da área, observar como se relaciona o conceito de informação da CI com as bases nocionais de saberes precedentes, como os que desaguam nela, Biblioteconomia e Documentação, e sugere analisar aquilo que, no conceito, não é meramente conceitual – seus enraízamos e expressões sociais, seja no vínculo a projetos políticos, seja na forma pela qual produz sujeitos de acordo com suas exigências internas. Entendemos que, para dar conta do acontecimento que é a informação em nossa época, para entender o que fez e garante sua hegemonia até hoje, é preciso considerá-la por suas faces epistemológica, social e ética, como modo de construir o saber, fazer sociedade, decidir como viver.

Essas diretivas e expectativas de pesquisa serão postas à prova em um confronto com os estudos históricos já produzidos nessa problemática e com textos que possam ser nossas “testemunhas” das rupturas ou das continuidades de época a época, como o poderão ser os livros fundantes da Ciência da Informação e campos correlatos. Assim, o projeto tem a forma de uma pesquisa bibliográfica, com base em revisão, levantamento e análise de materiais textuais. Além das análises proporcionados pelo material compilado, também pretendemos, para abrir rotas de debate, fazer dialogar os nossos achados com Foucault – as noções de episteme, dispositivo, poder-saber, subjetivação serão úteis para tal.

Contribuições possíveis deste trabalho são uma nova ótica sobre o desenvolvimento da Ciência da Informação, em sua relação com outras ciências e o saber em geral, projetos político-sociais e a ética. O projeto também pode se distinguir pela sua aplicação tanto dos métodos foucaultianos como a arqueologia e a genealogia quanto da epistemologia histórica; com efeito, como não há, nesses casos, algo como uma metodologia fechada e um manual de instruções, construíremos nossa versão dessas práticas na medida em que as praticamos. Esta tese será a feitura de um método e a exibição da sua fatura.