Curso Narrativas Descolonizadas, com Djamila Ribeiro, no Masp

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Em março e abril, cursei “Narrativas Descolonizadas”, no Masp, com a filósofa Djamila Ribeiro. Com referência a autores do pensamento decolonial e antirrascista, o curso fez um percurso pelos conceitos de lugar de fala, interseccionalidade e empoderamento, os quais pautam alguns dos ativismos e contra-ativismos mais frequentes na internet e fora dela hoje. Seguem alguns resumos/comentários com base nas minhas notas de aula:

Quem foi construído para poder falar e quem foi construído para que se fale de si em seu lugar? Isto é, quem está em posição de descrever, definir, representar indivíduos ou grupos e quais indivíduos ou grupos são determinados a ser menos sujeito do que objeto da razão e da experiência. Os negros, os povos ameríndios, as populações que sofreram colonizações ao redor do mundo – todos esses menos falam e mais são falados. É contra essa situação que age quem luta por representatividade e ressalta a irredutibilidade dos lugares de fala (condições de história de vida que possibilitam perspectivas, assim como sensos de urgência e consequência, únicos). Djamila ressaltou, não obstante, “lugar de fala não é uma postura essencialista. Trata de local social. É perfeitamente possível que uma pessoa branca reflita sobre racismo”, com o aviso que “a empatia é uma construção intelectual: demanda um trabalho, um processo”.

Matar a cultura é matar um povo. Djamila lembra que, em Abdias Nascimento, há a percepção de que “a destruição da cultura de um povo é também genocídio”. Veja mais sobre Abdias na publicação que editei sobre esse ativista, escritor, pintor, dramaturgo:

Não existem outras geografias da razão? Na esteira do diagnóstico anterior, se coloca a necessidade de trazer à tona não só as histórias de vida dos subalternos, mas também o seu trabalho intelectual. Ações nesse sentido são feitos por exemplo pela página Preta e Acadêmica ou por um livro como o Pensar Nagô, de Muniz Sodré, que contra-ataca o eurocentrismo da história da filosofia e ressalta a especificidade da experiência africana – ética, religiosa e filosófica também. No mesmo sentido está o trabalho de uma Grada Kilomba, que permite reler Simone de Beauvoir – na medida em que Beauvoir traz que a mulher não é vista de forma substancial, mas é o outro do homem, Kilomba exibe que “a mulher negra é o outro do outro”, duplamente despojada de ser.

Interseccionalidade: conceito, ferramenta heurística ou teoria, ou seja, tal termo pode ser visto pela sua operacionalidade, o que permite realizar; pelo seu potencial inovador, o que por meio dele se descortina; ou pelos seus recursos explicativos, aquilo que, na realidade, se faz mais claro quando se recorre a ele. Djamila mostra que essa ideia está presente em falas que precedem a invenção da palavra: já em Sojouner Truth, no século XIX, quando ela questiona “E não sou uma mulher?”, expondo como a pele negra marca sua distância do feminino branco; e aparece em autoras como Audre Lorde e bell hooks. De todo modo, foi a advogada Kimberlé Crenshaw que o cunhou. O fundamental que se extrai dele é que devemos pensar como raça, gênero e classe interagem para produzir situações específicas de opressão. Referência, esta palestra de Crenshaw:

 

Opressão. Usei no parágrafo anterior. Sobre o conceito, uma distinção: “O sofrimento é uma característica humana; a opressão é um dado social”.

Esquerda identitária versus esquerda materialista. Djamila notou que, seguindo Achille Mbembe, Rodney Williams fala da “percepção econômica da questão racial”, denotando que os escravos eram considerados mercadoria. Penso que tal análise transtorna a visão de que essa esquerda é de pauta estritamente identitária, sem consideração econômica; pelo contrário, o negro sente no corpo o processo descrito no início de O Capital.

Com a invenção do negro, você tem a invenção do branco. Se a empatia precisa de um aprendizado, não se dá naturalmente, e se hoje a tarefa é fazer com que vozes que antes não puderem falar falem, qual será o papel de quem participa de situações de privilégio nesse campo? Uma necessidade é explorar os sentidos das suas condições únicas, o seu lugar de fala. O que significa ser branco? (nessa via, obras como as de Lia Schumann ou de Lourenço Cardoso). Esse tipo de pergunta, que abala a definição de si como universal, pode ser discutido também quanto ao que significa ser homem, por exemplo.

Empoderamento. Interessante que o conceito foi remontado ao pedagogo Paulo Freire, à sua teoria da conscientização (terei de pesquisar sobre ela; fora isso, parece que existe, paralela, uma origem empresarial para o termo, mas isso não foi referido). Djamila fala que empoderar não significa uma evangelização, algo que seria transmitido de alguém superior a alguém inferior, mas a criação de condições para que os sujeitos possam agir de forma mais livre e mais autônoma. É provisão de recursos, estabelecimento de uma situação em que uma pessoa se emancipa por ela mesma. (Uma discussão paralela foi a de como atuar em espaços opressivos – nesses casos, é preciso criar ou buscar espaços de apoio, ainda mais, levar em conta quem lutou antes, os legados).

Mais Paulo Freire. Também achei digno de nota que Audre Lorde tenha dito “é preciso matar o opressor em nós”, tão próxima do “o oprimido engendra o opressor”, de Freire.

Algumas coisas que salvei para ver depois:

Recusando-se a ser uma vítima”, bell hooks
Os usos da raiva: mulheres respondendo ao racismo”, Audre Lorde
O site Ideias Negras — uma das autoras, Cris Fernandes, divulgou o site no curso.

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