Em um poema sem nome, Ana Martins Marques diz:

“é bom encontrar uma vez ou outra pessoas que conhecemos na infância
é bom nos esforçarmos por um tempo
para parecer com a lembrança delas (…)”

[“A Sereia e o Centauro”, Ana Martins Marques, revista piauí, nº100, janeiro/2015] 

O deslocamento de subjetividade sugerido nos versos deste poema foi a faísca que gerou O Enterro do Diabo, de Gabriel García Marquez. O escritor volta com a mãe para Aracataca, sua cidade natal, e tudo havia se transformado — a cidade antes pujante pelas plantações de banana, perdera a abundância e era esquecida. Plinio Apuleyo Mendoza conta o que ele lhe contou: 

“A primeira amiga que a mãe encontrou (estava na penumbra de um quarto, sentada diante de uma máquina de costura) não pareceu reconhecê-la no primeiro momento. Assim, as duas mulheres se observaram como que tentando encontrar por trás da aparência cansada e madura a lembrança das moças lindas e risonhas que tinham sido.

A voz da amiga soou triste e como que surpreendida:

— Comadre! – exclamou, levantando-se.

As duas se abraçaram e começaram a chorar ao mesmo tempo.

‘Ali, daquele reencontro, saiu meu primeiro romance’, diz García Marquez.

Seu primeiro romance e provavelmente todos os que vieram depois." 

[Cheiro de Goiaba, Plinio Apuleyo Mendoza e Gabriel Garcia Marquez, página 14, editora Record, 1982]

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