“Modos de Dizer”, Mário Bachelet

Literatura

“Modos de Dizer”, de Mario Bachelet — autor português de quem não consigo encontrar nada na internet — é um conto relevante no interior do As Esferas do Dragão. Quando escrevi o livro, me lembrava de cabeça da história, a partir de um livro de escola, lido há muito tempo, possivelmente no mesmo porão onde reencontrei o conto do rei que ouve duas vezes a mesma profecia, e prefere sua tradução doce à amarga.

Abaixo, o trecho do meu romance em que a historinha é citada. Depois, o texto de Mario Bachelet.

(Criança, li um conto em que um rei ouvia duas profecias iguais. Ambas lhe garantiam uma vida extremamente longa, mas o primeiro profeta sublinhou o que havia de sombrio nisso: ele assistiria à morte de todos os seus. O segundo disse que estaria presente para alegrar-se com suas alegrias e para apoiá-los na tristeza. O primeiro foi enforcado; o segundo, festejado.)

***

Uma vez um rei sonhou que todos os seus dentes lhe foram caindo da boca, um após outro, até não ficar nenhum. Era no tempo em que havia magos e adivinhos. O rei mandou chamar um deles, referiu-lhe o sonho e pediu-lhe que o decifrasse. O adivinho levou a mão à testa, pensou, pensou, consultou a sua ciência e disse:

– Saiba Vossa Majestade que a significação do seu sonho é a seguinte: está para lhe suceder uma grande infelicidade. Todos os seus parentes, a rainha, os seus filhos, netos, irmãos, todos vão morrer sem ficar um só ante os olhos de Vossa Majestade.

O rei entrou em cólera, ficou muito irritado e, chamando os guardas do palácio, mandou decepar a cabeça do adivinho que lhe profetizara coisas tão tristes.

Estava o rei muito acabrunhado com o vaticínio, quando se aproximou um cortesão e lhe aconselhou que consultasse outro adivinho, porque a interpretação do primeiro podia estar errada e não devia Sua Majestade se afligir em vão.

O rei adotou o conselho, mandou chamar outro mago e lhe narrou o mesmo sonho, pedindo que o decifrasse.

O adivinho levou a mão à testa, pensou, pensou, consultou a sua ciência e disse:

– Saiba Vossa Majestade que o seu sonho significa o seguinte: Vossa Majestade terá muitos anos de vida. Nenhum dos seus parentes lhe sobreviverá. Nem mesmo o mais moço e mais forte deles terá o desgosto de chorar a perda de Vossa Majestade.

O rei, muito satisfeito, mandou encher o adivinho de presentes, deu-lhe muitas moedas de ouro, muitos diamantes, roupas de seda bordadas e um palácio para morar, nomeando-o adivinho oficial do reino.

No entanto, o segundo mago, que recebeu tais prêmios, disse a mesma coisa que o primeiro, que foi degolado. A única diferença foi a linguagem que ele empregou. Esta fez que ele recebesse prêmio em vez de castigo.

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