“Aqui é bom, né?”, diz este senhor parecido com o cientista do De Volta para o Futuro, se referindo ao banco de praça ao lado do ponto de ônibus e em frente às árvores e o gramado extenso. “Caralho”, exclama, do nada. Senta meio de lado, olha a distância. “Você está aqui há muito tempo?” — “Dez minutos.” — Então não vai demorar muito”. Senta reto, observa. “Plantaram tanta árvore aqui, não plantaram uma pitangueira pros passarinho comer as frutas. Lá em casa tem uma, enche de passarinho. Sabiá, bem-te-vi. Até aquele preto e vermelho, como é o nome? Como é o nome? Tiê. Tem quarenta anos aquela árvore. Eu tô casado há [não escuto o número, então vamos supor: muitos] anos, ela já estava lá, então tem quarenta anos. Um dia vou arrancar uma dessas aí e plantar uma pitangueira. Foda-se. Eu sou policial aposentado, eu moro nessa rua”, joga o braço pra frente, apontando. Pára um instante. Ele usa camisa de campanha de solidariedade, tem a expressão raivosa. “Tinha um filho da puta de um velho aí, já morreu, a filha já vendeu a casa, ficava com as gaiolas, pegando passarinho, um tal de Rocha, tenente, não sei se você conheceu. Cara morrendo, filha da puta ficava armando a gaiola aí, pra prender passarinho. Um dia ele foi fazer não sei o que, pegou fogo no barraco dele, matou não sei quantos passarinhos. E ele era bombeiro hein? Trabalhava no corpo de bombeiros. Tá no bico do urubu, tá com 80 anos, fica caçando passarinho pra quê, caralho? Tenente Rocha. Deixa o passarinho na árvore! Aqui. Beleza. Cantando. Uma empregada minha picava pedacinho de carne, pedaço que sua mãe, sua esposa joga fora, botava em cima da mureta, vinha o passarinho, bem-te-vi, comer. Quando ela não punha, ficavam os dois em cima do telhado chamando ela: Bem-te-vi! Bem-te-vi! Bem-te-vi!”. Dá uma risada pontual. “Eles vinham. Pô, nunca vi bem-te-vi comer carne, caralho”. Faço um comentário pertinente qualquer. Ignora. “Eu vou… agora… tô arrumando minha casa, eu tenho uma área de 700, 800 metros, aqui nessa rua. Aí queriam comprar pra fazer prédio. Não querem pagar, caralho, eu vou ficar com dinheiro? Dinheiro… a pessoa só vende imóvel em caso de extrema doença ou então pra comprar um melhor. Agora eu resolvi ficar aí até morrer, já tenho quase 75 anos, em dezembro faço 50 anos de casado. Meu sogro é um dos fundadores aqui do bairro, veio em quarenta, minha mulher tem 71 anos, faz 70 que mora aí. Então eu já não vou mudar, tô dando uma ajeitadinha na casa. Tá uma imundície lá, eu tenho mais de 400 vasos de orquídea. Cada flor, rapaz. Eu tenho lá um monte de taça, medalha, tudo que eu ganhei nas exposições de orquídea por aí, do japonês. Parque do Estado lá, onde tem o zoológico encostado. Jardim Botânico. E exposição boa, viu, filho? Tem cara lá que concorre com cinco mil planta, ainda mais o japonês, japonês é especializado em planta. Eu tenho uma área boa lá no fundo, sabe? Mas não dá pra ter planta lá, porque tem que… fazer um monte de coisa… mas eu vou fazer. Caralho, como demora esse ônibus. Se soubesse tinha pegado o carro, cê vai pra Santana com o carro, não tem onde parar. Eu tenho quatro carro em casa lá, eu sou pobre, não sou rico não. É que eu tinha dois carro velho, trabalhava com bordado, pra entrar no Brás, um dia entrava com um, outro dia com outro, por causa da chapa, né. Tô vendendo um gol, não consigo vender. O carro tá… esfumaçando, não consigo passar na vistoria, eu não andei 4 mil quilômetro com o carro, o carro tá esfumaçando. O cara morreu, o mecânico, os dois mecânico morreu. O carro tá lá na casa do meu filho. Esse eu levei lá pra Arujá, entendeu, tá lá, só pra não passar na vistoria — mas se o PT ganhar pra governador, eles vão botar no Estado todo essa merda aí, aí fodeu-se”. Chega o ônibus.
“Qual o nome do senhor?”; “Celso”. Cara de contrariado, subindo a escada. “Eu vou ficar aqui na frente mesmo, que eu não posso passar da roleta”; “Tá. Até”.