No GloboNews Literatura, a escritora Nelida Piñon discorreu sobre certa universalidade do ato de escrever:
Eu tenho a pretensão, a boa pretensão e a humilde pretensão, de falar com a voz coletiva. O escritor não é um ser solitário. O escritor não tem uma voz única. Ele tem as vozes do mundo. E quantas mais vozes ele representa e encarna, mais ele é capaz de assumir até uma voz legítima, fidedigna. Portanto, é um dever do escritor ser o outro. O escritor deve ser homem, mulher, criança, vegetal, mineral, animal, tudo. Ou seja, quanto mais formas humanas, formas viventes, você acumula, você, enfim, representa, mais você será capaz de se aproximar do abismo humano. Nós somos seres abissais, não é? Só com esse atrevimento de ser todos nós podemos talvez respirar de uma forma coletiva.
A pretensão, o dever, o atrevimento — reparemos nas modalidades diferentes de cada palavra. A primeira pode ter o significado pejorativo de “querer mais do que se pode”, o que Nelida amaina com alguns adjetivos — trata-se essa da boa, da humilde pretensão. A segunda não é o sujeito ansiando, quase inadequadamente, por mais. Impõe uma obrigação. A terceira inverte os sinais do pretensioso — é também um sair do pré-definido, mas com audácia. Todos os valores citados parecem ser necessários para a tarefa de alcançar a alteridade: modéstia, compromisso, coragem.
Outro comentário que se pode fazer quanto à fala da Nelida é que ela se opõe às correntes que destacam a relevância do lugar de fala — isto é, dos condicionantes sociais que influem nas perspectivas dos indivíduos — na arte. Por um lado, um escritor homem, por exemplo, teria altas limitações ao representar uma personagem feminina; por outro, mais importante do que homens escrevendo mulheres seria ter mulheres escrevendo. Creio que essas duas posições têm contribuições significativas; temos apenas de pensar melhor sobre como conciliá-las.
Essa questão, claro, não se refere aos outros âmbitos pelos quais o escritor pode se espraiar: os reinos vegetal, animal, mineral. A propósito, na sequência desse GloboNews Literatura há uma matéria sobre Walmir Ayala, escritor que, em À Beira do Corpo, meio que respondendo Machado, narra pela boca de um verme.