[adaptado da seção 1.4 da dissertação de mestrado A Criatividade do Excesso: Historicidade, Conceito e Produtividade da Sobrecarga da Informação, disponível aqui]
As abordagens do conceito de informação discutidas nos posts anteriores são posicionadas por Peter Ingwersen e Järvelin Kalervo, no livro The Turn: Integration of Information Seeking and Retrieval in Context (2005, p. 25-26), em diversos estágios do processamento de informação. Extraído das pesquisas de Marc de Mey, esse pensamento postula os níveis monádico (em que unidades de informação são consideradas individualmente, como autônomas); estrutural (em que aquelas unidades são organizadas em entidades mais complexas); contextual (em que as estruturas são elementos dentro de um contexto, e, para que se possa extrair significados delas com precisão e sem ambiguidade, é necessário extrair informação desse contexto); cognitivo ou epistêmico (em que a informação complementa um sistema conceitual de conhecimento do mundo, seja de um indivíduo ou de uma máquina). Ingwersen diz que “os estágios 1-3 correspondem aos níveis morfo-léxico, sintático e semântico do entendimento da linguagem”. É apenas no quarto nível, “correspondente, em linguística, ao processamento pragmático”, que se encontra propriamente a informação, derivada ou da visão de mundo do indivíduo ou da mensagem.
A partir do que estabelece o autor, podemos fazer outras relações com o que vimos discutindo. O âmbito monádico recobre tanto o objeto da Teoria Matemática da Informação e a “informação de sinal” definida por Lyons, cuja “informação semântica” é abrangida pelo contextual (ambas tratadas em “Aspectos Semânticos da Informação“).
O quarto nível, cognitivo ou epistêmico, é o objeto do ponto de vista cognitivo. A perspectiva se caracteriza, como está dado na definição desse nível, por entender o processo informacional como a interação mediada por “sistemas conceituais de conhecimento de mundo”, ou estruturas de conhecimento, ou estados de conhecimento. Vejamos o modelo de Ingwersen e Kalervo:
De acordo com a figura, o indivíduo A, a partir de um “modelo de mundo”, gera um conteúdo informacional. Nesse processo de criação, esse conteúdo perde contexto ( “cognitive free fall”, traduzido como “queda livre cognitiva”) e foge, em alguma medida, do controle do emissor. Transmitido por meio da linguagem, chega ao indivíduo B, pelo qual é interpretado dentro de outro contexto, o que pode acarretar leituras não previstas no momento da emissão. O conteúdo linguístico é interpretado e modifica o estado de conhecimento do receptor. Perceba-se como até esse último momento o intercâmbio esteve no âmbito dos níveis monádico, estrutural e contextual; a partir daí, trata-se do nível cognitivo ou epistêmico. Tendo alterado as estruturas cognitivas do receptor, a mensagem pode ser causa de dúvida ou confusão, produzindo um estado de incerteza e um espaço-problema, que implica na necessidade de informação e em uma nova troca comunicativa.
Vejamos com mais atenção algumas ideias representadas na figura. Ingwersen, em Information Retrieval Interaction, (1992, p. 16) define “modelo de mundo”,
[…] também chamado de ‘conhecimento de mundo’, ‘schemata’ ou ‘imagem’, consiste em estruturas de pensamento, ou estruturas cognitivas, que são ‘determinadas pelo indivíduo e por suas experiências sociais e coletivas, educação etc’. As conexões e influências entre o conhecimento individual, social e organizacional, seus objetivos e propósitos, preferências assim como expectativas e experiências são assim refletidas neste ponto de vista cognitivista da ciência da informação e da recuperação da informação.
Assim, o estado de conhecimento que medeia o contato do indivíduo com os dados externos e é, por sua vez, resultado de relações anteriores do mesmo tipo. Vale ressaltar novamente que, em tal contexto, ainda segundo Ingwersen (1992, p. 31-32), informação é aquilo que transforma as estruturas cognitivas. Nesse texto também, o autor expõe outra representação da situação desse indivíduo em processo de absorção de informação — a “equação fundamental para ciência da informação”, criada por Bertram C. Brookes: K(S) + δI = K(S + δS), isto é, estado de conhecimento K(S) sofre a adição da informação δI e resulta em novo estado de conhecimento K(S + δS). Ingwersen amplia o modelo, propondo pI → δI + K(S) → K(S + δS) → pI’: o sujeito percebe o potencial de informação pI que, mediado pelo seu estado de conhecimento implica em um novo estado de conhecimento que, enfim, pode produzir nova informação potencial pI’.
O quadro teórico do ponto de vista cognitivo permite também definir o desejo por informação. Ingwersen (1992, p. 28) diz: “Com Wersig e Machlup nós temos um profundo entendimento das razões do desejo por informação, os eventuais efeitos sobre o estado de conhecimento do recipiente”. Em outras palavras, por essa via podemos analisar o que move os indivíduos na busca por informação, isto é, temos para pensar a necessidade de informação.
Como visto na explicação da figura, essa necessidade está vinculada à incerteza. Uma origem desse elemento no modelo de Ingwersen é o conceito de estado anômalo de conhecimento, que foi desenvolvido por Nicholas Belkin. Trata-se de um estado de percepção da anomalia — isto é, da dúvida, da incerteza, da suspeita da inadequação. Em “Anomalous states of knowledge as a basis for Information Retrieval” (1980, p. 136), Belkin destaca que o seu conceito sintetiza preceitos anteriores: os quatro “níveis de questão” de Taylor, dos quais Belkin cita os dois primeiros, por serem análogos ao conceito de estado anômalo de conhecimento: necessidade visceral de informação, não-expressa ou inexprimível; e necessidade de informação consciente, subjetiva, parcamente definida e ambígua; as ideias de problema e necessidade em Kochen, segundo ele equivalentes aos dois estágios apresentados de Taylor; e o vínculo que Wersig estabelece entre necessidade de informação e uma situação problemática, uma insuficiência no modelo que o indivíduo faz do mundo. Como se percebe, em todos esses conceitos que seriam retrabalhados no estado anômalo de conhecimento, existe uma ligação forte entre o reconhecimento da ignorância e a necessidade de informação. O estado anômalo de conhecimento é, assim, um estado tenso que estimula a própria dissolução.
Em torno desta conceituação, Belkin propõe este modelo:
No lado direito do quadro, o usuário possui uma imagem de mundo que forma o seu estado de conhecimento. A percepção da necessidade de informação o coloca em um estado anômalo de conhecimento, que leva ao requerimento feito ao sistema de recuperação de informação. O requerimento é entregue ao sistema através de mediações linguísticas e pragmáticas. No lado esquerdo, o criador do documento também carrega uma imagem de mundo, que também forma um estado de conhecimento. Este por sua vez é emitido como informação e consolidado em um texto, que é disseminado também através de mediações linguísticas e pragmáticas. A partir dos resultados recuperados, o usuário avalia o sistema e reavalia a sua condição.
O ponto de vista cognitivo, nos primeiros momentos do seu desenvolvimento, não dava ênfase aos condicionantes sociais e culturais dos processos informacionais. Porém, movimentando-se rumo ao que se denomina sociocognitivismo, essa “deficiência” foi reparada. A importância de lidar com os aspectos socioculturais já foi abordada, quando nos referimos ao Teoría General de la Información (1997), de Gonzalo Abril, e à problemática da semântica no campo da informação. Na próxima seção, aprofundamos outras conceituações que deem atenção a esses âmbitos da cultura e da sociedade.
Referências Bibliográficas
ABRIL, Gonzalo. Teoría general de la información: Datos, Relatos y Ritos. Madrid, Cátedra, 1997.
BELKIN, Nicholas. Anomalous states of knowledge as a basis for Information Retrieval. Canadian Journal of Information and Library Sciences, n. 5, 133-143. University of Toronto Press, 1980.
INGWERSEN, Peter. Information Retrieval Interaction. Los Angeles: Taylor Graham Publishing, 1992.
INGWERSEN, Peter; KALERVO, Järvelin. The Turn: Integration of Information Seeking and Retrieval in Context. Springer, 2005.