Há em O Imortal do Sul da China – Uma Leitura Cultural do Zhuanzi, um encontro inesperado entre o filósofo daoísta Zhuang (lê-se “djuang”; o “zi” – que é lido “tzi” – acrescentado ao seu nome significa “sábio”) e o músico Tom Zé.

Isso ocorre neste trecho à página 116:

A consequência de todos esses meus pensamentos incoerentes é que o sábio deve sempre estar a conspirar a favor da desordem. Diferentemente dos homens presumidos, o sábio usa o seu brilho para confundir, não para convencer, já que não intenta lograr vantagens mundanas para si, e é justamente, e apenas isso, que termina por obter méritos permanentes. A isso chamo de ‘da confusão nasce a luz’.

Lembra de pronto a letra de “Tô”:

Principalmente o refrão permite que façamos comparações:

eu tô te explicandopra te confundireu tô te confundindopra te esclarecertô iluminadopra poder cegartô ficando cegopra poder guiar

O paralelo entre “o sábio usa seu brilho para confundir, não para convencer” e “tô te explicando pra te confundir”, além de “da confusão nasce a luz” e ” tô te confundindo pra te esclarecer” (lembrando que “esclarecimento” parte de uma metáfora da luminosidade) é simples de fazer; a confusão é o valor em ambos os casos. O ato de confundir, para Zhuangzi, é declaradamente uma tarefa da filosofia – com efeito, ele deve conspirar pela desordem –, já Tom Zé apenas descreve sua prática, acenando a uma concepção de individualidade que se perfaz sem pontos fixos, fluindo entre oxímoros.

Outras diferenças estão em que Zhuangzi defende a desordem e a confusão em oposição àqueles que desejam adquirir benefícios com o conhecimento, presumivelmente profissionais do saber, como professores e técnicos, e políticos – o que, nessa China em que ele escreve, aponta para o confucionismo, que se realizou integrado ao estado. Há uma carga política e ética na letra de Tom Zé – pois ele se refere ao desejo de guiar –, mas isso parece se dar em um âmbito mais restrito, não necessariamente social, até porque ele usa o pronome oblíquo na segunda pessoa: é a um interlocutor só (cada um de nós vez a vez) a quem o músico se dirige. Tô cantando pra um pra cantar pra todos, ele poderia ter escrito também.

Esse teor ético também está dado na transformação pela qual o sujeito da canção passa para pode gerar seus efeitos; no refrão, por exemplo, ele diz: “tô iluminado” e “tô ficando cego”, que indicam que o eu lírico precisa se por em certa situação e precisa se alijar de certas capacidades para se tornar capaz de nos transformar. Por esse trecho do Zhuangzi, não sabemos o quanto o sábio precisa lidar com a desordem e a confusão nele mesmo.

Seria possível argumentar ademais que toda “Tô” tem um vetor daoísta, na medida em que, como essa corrente, atenta à transição entre contrários, na produção de algo a partir do seu oposto. E poderíamos, para terminar, brincar com os sons, curiosamente similares – Tom Zé, Zhuangzi, Tom, Zhuang, Zé, Zi, ou ainda, confundidos, Tomzi, Zhuangzé…

Enfim, tô fazendo graça pra filosofar.

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