Como eu saio pouco ou nada agora eu não pego mais umas crônicas de mão beijada do pessoal na rua. Mas hoje fui ao banco e, enquanto esperava na fila e a chuva caía na Avenida Guilherme Cotching, lá veio ela, sim, a crônica, na pessoa de uma senhora negra e obesa que, andando com dificuldade, vinha saindo da agência, a princípio comentando algo sobre os velhos. Ela parou então diante das escadas e falou alto, certamente inspirada pela chuva: “E a minha laje tá tudo vazando!”. Estávamos eu no fim, um casal de bolivianos no meio e uma mulher no começo da fila, ninguém disse nada. A senhora prosseguiu: “Minha laje tá tudo vazando, o pedreiro queria me cobrar dois mil reais! Eu falei: não, vai ficar vazando mesmo. Dois mil reais e ainda trinta e duas lajes mais pedra, areia e cimento. Dois mil reais queria cobrar! Eu não sou rica não. Eu sou favelada. Eu moro na favela”. A mulher da frente disse, pra ser simpática: “É só por um balde, né?”. Nisso, a senhora abaixou o tom, falou meio triste, com os olhos adiante, contemplativos: “Menina, mas não dá… chove bem em cima da minha cama…”. Acontecido tudo isso ela decidiu ir embora. Procurou com a vista e anunciou: “Ó lá o véio!”. Presumo que é seu marido: um senhor negro com a máscara no queixo e bengala. “Ele não quis entrar”, comentou ela, “olha, sou véia, mas não gosto de véio, porque véio é teimoso!”
Véio é Teimoso!
Related Posts
Morte e (Nova) Vida do MinC: um balanço da gestão Bolsonaro e o futuro da pasta
Coautor do livro "O Fim do Ministério da Cultura", Lincoln Spada comenta o que podemos esperar da era Margareth Menezes.
Na sala de aula da professora Ionete
Antes de se tornar a rainha do carimbó, Dona Onete atuou na educação. Dois estudantes contam como era tê-la como professora
Dias Gomes no grande palco da literatura fantástica
O pesquisador Alysson Siffert explica os diversos conceitos de literatura fantástica, comenta seu potencial de desvelamento do real e inclui o dramaturgo Dias Gomes nesse contexto
Duanne Ribeiro é jornalista formado pela Universidade Santa Cecília, doutorando e mestre em ciência da informação e graduado em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização em gestão cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), um núcleo da USP. Como escritor, publicou o romance As Esferas do Dragão (2019), pela editora Patuá. Tem o livro de poesia *ker- no prelo.
Jornalismo
- Morte e (Nova) Vida do MinC: um balanço da gestão Bolsonaro e o futuro da pasta
- Na sala de aula da professora Ionete
- Dias Gomes no grande palco da literatura fantástica
- Paulo Autran acordava Paulo Autran
- Peter Adamson: “Não consigo levar a sério quando dizem que história da filosofia é desinteressante”
Ciência da Informação
- O Ponto de Vista Cognitivo sobre a Informação
- A História Não se Completa
- Aspectos Semânticos da Informação
- A Teoria Matemática da Informação
- A Informação da Antiguidade à Idade Moderna
Filosofia
- Guimarães e Foucault anunciam o perigo
- Ensaio, moda e crítica: três elementos da obra de Gilda de Mello e Souza
- Assum Preto, Me Responde?
- De quantos modos um menino queima?
- Foucault e o Pensamento Sobre Si
Literatura
- “Você encontrou seu caminho”, disse ChatGPT ao tatu
- Ponte das Almas
- chatGPT 7/2/2023
- Thays Ishikawa: De encontro à morte, precisamos mergulhar dentro de nós
- Thiago Rosenberg: Um luto que concebe a aventura